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30/11/2021 10:52

Sir Frank Williams (16/4/1942 - 28/11/21)

Escrito por Wagner Gonzalez
Jornalista especializado em automobilismo de competição

Foto: Williams Racing

Frank Williams, um eterno apaixonado pelo automobilismo, ou um "real racer" como se diz na Inglaterra


Impossível não ter boas lembranças de Francis Owen Gabarth Williams: sempre foi extremamente educado com quem lhe dirigisse a palavra, fosse um piloto, patrocinador, mecânico ou, como no meu caso, um jornalista. Tratava todos pelo primeiro nome e sua expressão de amizade era uma demonstração tanto de confiança quanto de carinho. Frank, como continuou sendo tratado por muitos mesmo após ter sido condecorado com o título de “Sir” em 1999. Ele também recebeu outras condecorações importantes tanto na Grã-Bretanha (Cavaleiro do Império Britânico) quanto na França (Cavaleiro da Legião de Honra). Mesmo assim, jamais perdeu a humildade, mesmo quando o sucesso financeiro de sua empresa Williams Grand Prix Engineering se tornou algo antagônico às épocas em que usou um telefone público para fazer negócios, consequência de não ter como pagar uma linha própria.

Tal como em diversos outros países, também no Brasil tinha relacionamento de amizade e de negócios com muita gente, incluindo a família Gancia e muitos pilotos. José Carlos Pace foi o primeiro a correr por sua equipe, inicialmente na Fórmula 2 e, posteriormente, na Fórmula 1. A lista cresceu e incluiu, entre pilotos titulares e de teste, Antonio Pizzonia, Bruno Senna, Felipe Massa, Felipe Nasr, Max Wilson, Ricardo Sperafico, Rubens Barrichello, Nelson Piquet - que garantiu um dos vários títulos da escuderia - Nelson Piquet Júnior e Ayrton Senna.

Sua empresa Williams Grand Prix Engineering foi inicialmente baseada em um antigo depósito de tapetes em Didcot e, mais tarde, na antiga sede da farmacêutica Jansen em Grove, onde funciona até hoje. A imponência deste edifício é destacada pela quantidade de mármore em sua recepção, o oposto do começo de Frank Williams como chefe de equipe. Como piloto chegou a disputar provas na Inglaterra e, aparentemente, na Itália: amigos e colegas locais me garantem que o viram acelerar com o pseudônimo de Franco Vilani… Quando percebeu que não seria um campeão, dedicou-se a cuidar da carreira de novatos, atividade que o levou a conhecer a esposa Virginia (falecida em 1996) e mãe de seus três filhos, Jonathan, Jamie e Claire. Esta última esteve à frente do time até que a empresa fosse vendida para a Dorilton Capital, um escritório de investimentos que apostou no retorno da equipe aos bons tempos de time campeão e assumiu o controle do negócio em setembro de 2020.

Nas quase cinco décadas que atuou na F1, Frank Williams se tornou famoso por sua habilidade em atrair novos patrocinadores e por ser irredutível em seus princípios, o que o fez perder vários deles: a McLaren conquistou os árabes da TAG e a BMW não aceitou suas condições de venda após seis anos de parceria, entre 2000 e 2005. A postura imutável de defender seus princípios de independência e proteger seus empregados forjaram uma decadência que levou Frank Williams e seus herdeiros a vender toda a empresa.

Entre os episódios que guardo com carinho em mais de 20 anos de convivência com ele, lembro de dois em particular. Em Detroit, certa manhã eu observava Frank Williams fazer seu exercício diário. Sozinho, ele dava uma volta pelo interior do Cobo Hall, o centro de convenções da cidade. Ao final do giro me aproximei e começamos a falar de F1 e, em seguida, mencionei sobre tratamentos para tetraplégicos, herança que ele carregava em consequência de um acidente entre Paul Ricard e Nice. Com muita tranquilidade falamos a respeito e descobri que ele tinha conhecimento de todas as pesquisas sobre o assunto. Gentilmente aproveitou para me esclarecer alguns pontos e profetizou que ainda seriam necessários muitos anos até que as possibilidades de cura fossem aplicadas aos humanos. Em outra oportunidade, me incluiu em um seleto grupo de jornalistas para entrevistar o físico Stephen Hawkins, seu convidado em uma edição do GP da Bélgica. Sobre sua vida particular alimentava algum segredo, algo que descobri quando perguntei-lhe sobre o livro que sua esposa Virgínia escreveu sobre a vida do casal.

”Não li e nunca vou ler”, disparou secamente. No livro, Virginia conta que tiveram um caso quando ela estava casada com um piloto e Frank, ainda em início de carreira. Sem grandes rendimentos, volta e meia dormia em sua casa por não ter dinheiro para pagar um hotel… Wilsinho Fittipaldi me contou de uma cena que presenciou durante um fim de semana de competição:

“Vi um mecânico reclamar do salário atrasado. Frank tirou o relógio do pulso e deu ao seu colaborador e credor”.

O mesmo Wilsinho lembra que na fase final de sua equipe de F1, Frank Williams fez, secretamente, um depósito polpudo na conta do time brasileiro. Quando Fittipaldi descobriu a origem do dinheiro, Williams disse que era uma retribuição aos tempos que foi ajudado pelos brasileiros.

A associação com Patrick Head colocou ordem na vida de Frank. Juntos, construíram uma empresa que durante anos foi a referência entre os construtores e estendeu seus tentáculos por áreas de engenharia avançada em segmentos diversos. Não é exagero dizer que a morte de Frank Williams (cuja causa mortis não foi divulgada pela família, mas suspeita-se que tenha relação com pneumonia) significa praticamente o fim próximo dos garagistas, uma espécie onde o único remanescente, e que não está na ativa, é o suíço Peter Sauber.

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