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13/10/2020 00:00

De Fangio a Hamilton, impossível apontar o maior da Fórmula 1

Escrito por Wagner Gonzalez
Jornalista especializado em automobilismo de competição

Fangio (E) e Hamilton: incomparáveis, eles personificam a primeira e a última década da F1


No último domingo o inglês Lewis Hamilton venceu o Grande Prêmio de Eifel, em Nürburgring, e igualou-se ao alemão Michael Schumacher como o maior vencedor da história da categoria: a partir de então os dois têm 91 vitórias. Na mesma corrida o finlandês Kimi Räikkönen alinhou pela 323ª oportunidade em uma prova oficial e tornou-se o piloto com o maior número de participações na Fórmula 1. Se não faltam aqueles que enaltecem tais conquistas, também sobram os que consideram essas informações como números frios e calculistas. Radicalismo nunca foi uma prática sadia para uma raça gregária e social como a dos humanos; dito isso deixo claro que os feitos do inglês, do alemão e do finlandês são transcendentes, mas insuficientes para zerar uma discussão clássica: quem é o maior de todos os tempos.

O cenário da F1 a cada década desde 1950 é no máximo semelhante, mas jamais igual e seus extremos comprovam isso: na década de 50 a média de corridas por ano era de 7 provas, incluindo as 500 Milhas de Indianapolis (que fez parte do Mundial até 1960), 16 pilotos participavam regularmente da temporada (descontados os 33 que largavam na prova estadunidense) e 21 pontuavam a cada temporada. Na década de 2010 o calendário tinha em média 20 provas, 24 pilotos foram inscritos a cada ano e destes 18 pontuavam. Vale uma curiosidade: apenas em 2018 todos os pilotos (20) que participam do campeonato de 21 etapas marcaram pontos.

Analisar esses números revela dados por demais interessantes, como nos anos 1950, quando o argentino Juan Manuel Fangio venceu 5 dos 10 campeonatos pilotando carros de quatro construtores diferentes. Conquista memorável. Mas o que falar de Stirling Moss, o primeiro piloto a ser chamado de campeão sem título, cortesia de quatro vice-campeonatos (55/56/57/58) e um terceiro lugar (59). Outros campeões da época foram os italianos Nino Farina (1950) e Alberto Ascari (1952/3), o inglês Mike Hawthorn (58) e o australiano Jack Brabham (59).

Na década seguinte nenhum piloto igualou o feito de Fangio: Jack Brabham (60/66), o inglês Graham Hill (62/68) e o escocês Jim Clark foram os únicos a conquistar dois títulos nesse período em que a versatilidade foi uma marca transcendente. Clark (65) e Hill (66) inclusive venceram as 500 Milhas de Indianapolis, reduto até então praticamente proibido a estrangeiros. Ao escocês coube superar um recorde de Fangio: ele venceu 25 vezes, uma a mais que o argentino. A diversidade desses tempos ficou ainda mais patente ao se notar os demais campeões: o estadunidense Phil Hill (61), o inglês John Surtees (64), único da história a ter sido campeão mundial de motociclismo, o neozelandês Denny Hulme (67) e o escocês Jackie Stewart (69). Foram anos em que as temporadas tinham em média 10 provas, 19 pilotos regulares e 20 pontuavam a cada ano. O estadunidense Dan Gurney, que venceu apenas quatro vezes em 86 largadas, era o único rival temido por Clark e se destacou por sua capacidade técnica em criar e desenvolver soluções.

Na década seguinte as temporadas ficaram mais longas - 14,4 provas em média - 21 pilotos pontuavam a cada ano e 30 pilotos frequentavam as listas de inscritos. Jackie Stewart (71/73), Emerson Fittipaldi (72/74) e o austríaco Niki Lauda (75/77) foram os destaques com dois títulos em um período que se conheceu sete campeões diferentes. Os demais foram o austríaco Jochen Rindt (70), o inglês James Hunt (76), o estadunidense Mário Andretti (78) e o sul-africano Jody Scheckter (79). Impossível deixar de lado o sueco Ronnie Peterson (123 GPS, 10 vitórias).

A liberdade do regulamento e o preço acessível para comprar motores Ford Cosworth, câmbios Hewland e kits de freio de diversos fornecedores facilitou uma certa banalização da categoria: a cada ano, em média, 15 equipes eram inscritas para disputar entre 17 e 18 corridas e de cada 38 pilotos cujo nomes apareciam anualmente, cerca da metade (19,5) pontuava. A farra era tamanha que em 1989 54 nomes diferentes foram pintados nos cockpits dos carros de 20 equipes, recorde histórico. Nelson Piquet (1981/83/87) e o francês Alain Prost (1985/86/89) se destacaram frente a nomes que encerravam suas carreiras e outros que iniciavam, incluindo campeões mundiais como o australiano Alan Jones (1980), o finlandês Keke Rosberg (1982), Niki Lauda (84) e Ayrton Senna (1988).

Cenário semelhante marcou o decênio seguinte, quando as temporadas viveram dias mais contidos: a média do número de pilotos inscritos a cada ano caiu para 34,7, as largadas baixaram para 34,7 inscritos a cada 16,2 corridas anuais e aqueles que pontuavam diminuíram para 16,2. A disputa entre Senna (campeão em 90 e 91), Prost (93) as impetuosas performances do inglês Nigel Mansell (92) e o aparecimento do alemão Michael Schumacher (94/95) renderam infinitas manchetes, assim como os títulos do inglês Damon Hill (primeiro nome a repetir o feito do pai, Graham, em 96), e do canadense Jacques Villeneuve (97). O finlandês Mika Häkkinen é um exemplo de Fênix: após um violento acidente em Adelaide em 1995, ele se recuperou para conquistar o bi em 98 e 99.

A primeira década do século XXI marca a expansão do calendário com a inclusão de novos autódromos e um calendário médio de 20 provas. As vagas se tornaram menos rotativas (26 a cada ano), assim como o número de pilotos que pontuaram (19). Michael Schumacher (2000/01/02/03/04) e o espanhol Fernando Alonso (05/06) se tornaram os grandes nomes frente a outros campeões como o finlandês Kimi Räikkönen (07) e os ingleses Lewis Hamilton (08) e Jenson Button (09). Rubens Barrichello, vice-campeão em 02 e 04 e terceiro colocado em 01 e 09, merece a citação na década marcada pelo período dominado pelo alemão. Vale lembrar que Felipe Massa foi vice em 2008 em uma das decisões mais dramáticas da história.

O uso cada vez mais exacerbado de tecnologia fez da década de 2010 um período dos mais monótonos: o alemão Sebastian Vettel foi campeão por quatro anos consecutivos (2010/11/12/13) sendo que Lewis Hamilton (14/15/17/18 e 19) e o alemão Nico Rosberg (16) venceram nas demais temporadas. O fato do primeiro ter usado um equipamento Red Bull-Renault e os demais carros da Mercedes consolidam a afirmação do início da frase. O domínio da casa alemã e do inglês seguem inabalados, em que pese os esforços do finlandês Valtteri Bottas e o arrojo holandês Max Verstappen.

Tenho a felicidade de ter convivido em diferentes graus de proximidade com três campeões mundiais – Emerson Fittipaldi, Nelson Piquet e Ayrton Senna -, e ter entrevistado inúmeros outros, incluindo Juan Manuel Fangio, Alain Prost e Mika Häkkinen. Da mesma forma, as várias temporadas que acompanhei a F1, GP a GP mundo afora, me possibilitaram conhecer e até conviver com muitos vencedores, participantes e coadjuvantes. Por tudo isso sinto-me seguro para afirmar que é impossível apontar o dedo para qualquer um deles e classifica-lo como o melhor de todos os tempos.

Motivos para isso são os valores sociais e econômicos de cada época, as conquistas tecnológicas de um ou outro construtor e a felicidade de que as vantagens de tais tópicos estarem reunidas em torno de um ou outro piloto. Não restam dúvidas que aqueles que conquistaram um único título, têm capacidade e uma estrela maior que os que não chegaram a tanto. Não há por que tentar definir porque não repetiram a dose: Rindt é o único campeão póstumo da história; Keke Rosberg venceu apenas uma corrida em 82 e se consagrou na base da regularidade e seu filho emulou essa conquista em 16, mas foi vice em 14 e 15 em uma disputa direta com o mesmo Hamilton que está prestes a se tornar o maior vencedor de GPs da história.

O inglês já largou em 261 corridas desde 2007, o que significa 19 corridas por ano. Em nove temporadas Fangio alinhou em 51 corridas, número que o inglês alcança a cada duas temporadas e meia. São apenas dois exemplos, mas grandes o suficiente para enaltecer a ambos, e a todos os demais pilotos citados acima e lembrar que muitos outros, inclusive alguns que sequer tiveram a chance de pilotar um F1, poderiam ter feito igual ou melhor. O caminho que cada piloto trilha para chegar à F1 é único, não importa quantas curvas possam ter disputado em comum com seus rivais, tampouco quantos autódromos possam conhecer tão bem quanto seu companheiro de equipe. Sobreviver e vencer na categoria máxima do automobilismo exige bem mais que pura habilidade ao volante, nas negociações com chefes de equipe ou na sinceridade do sorriso estampado frente às câmeras de tv e plateias de convidados. O resumo disso é que há se de viver intensamente o momento e desfrutar a vida com aquilo que ela lhe põe à mesa. Isto sim dá a chance de que todos nós sejamos grandes naquilo que façamos.

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