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14/08/2018 14:00

Calmaria que dá nos nervos

Escrito por Wagner Gonzalez
Jornalista especializado em automobilismo de competição

Sem corridas por quase um mês, bastidores da F-1 seguem movimentados


A Fórmula 1 vive seu período de férias mas os celulares de pilotos, empresários e diretores de equipes vivem conectados aos respectivos carregadores de baterias: são nada menos de 13 vagas disputadas, com chances maiores ou menores, por 17 pilotos. O momento exige discrição e eficiência para garantir o melhor carro possível para a temporada de 2019, incluindo vagas na Ferrari e Red Bull. Dos cockpits que já têm escritura definitiva estão os dois da Mercedes (Lewis Hamilton e Valtteri Bottas) e Renault (Daniel Ricciardo e Nico Hulkenberg) e um na Ferrari (Sebastian Vettel) e na Force India (Lance Stroll). O caminho para destravar esse quebra-cabeça passa necessariamente pelo espanhol Fernando Alonso, cuja indecisão tem repercussão até mesmo no mercado da Fórmula Indy, que pode ser seu destino em 2019.

O formato das negociações para definir a lista de inscritos do ano que vem passa por forças de várias intensidades e interesses, a começar pela influência dos fabricantes de Ferrari, Honda, Mercedes e Renault. Uma equipe disposta a pagar menos pelo trem de força – o conjunto formado por motor, câmbio e diferencial, eventualmente incluindo até mesmo a suspensão traseira -, pode ver-se “inclinada” a aceitar um piloto “sugerido” pelo fornecedor desse kit.

Entre as equipes mais susceptíveis a isso estão a Force India, Williams, Haas e Sauber. As duas primeiras funcionam na órbita da Mercedes e a outras duas circundam o planeta Ferrari. A Renault tem alguma influência sobre a McLaren – cada vez mais susceptível a este tipo de pressão – enquanto a Toro Rosso dá alguma atenção à Honda, mas nada em grande escala. Ferrari, Mercedes, Red Bull e Renault têm carta branca para escolher, e pagar bem, aos seus pilotos.

Kimi Räikkönen e Charles Leclerc disputam a vaga mais acirrada do momento, a de segundo piloto da Ferrari. Aparentemente Sebastian Vettel prefere Räikkönen a Leclerc: à experiência e obediência do finlandês contrapõem-se a juventude e a inexperiência de Leclerc. Enquanto um aceita de bom grado o papel de escudeiro e regularmente termina nos pontos, o outro ainda pode ser taxado de imaturo para um posto de trabalho na equipe mais susceptível a pressões externas.

De qualquer maneira, o monegasco já mostrou potencial para suceder a Max Verstappen como novo destaque da categoria. Nessa briga o italiano Antonio Giovinazzi corre, ou melhor, caminha, por fora. Comparada à Ferrari, a Red Bull está numa situação muito mais complicada: uma combinação entre o protagonismo cada vez maior de Max Verstappen, o autoritarismo de Helmut Marko e uma dose de safra magra de sua academia de pilotos cria dificuldades para definir as quatro vagas das duas equipes dos energéticos do touro vermelho.

O principal candidato para preencher o lugar vago com a transferência de Daniel Ricciardo para a Renault é o francês Pierre Gasly, que ao juntar seu bom relacionamento com a Honda e um pé direito digno de grandes pilotos, reuniu duas qualidades que em nada agradam a Verstappen. As gotas de sangue dessa disputa certamente respingarão em Christian Horner, o executivo maior da Red Bull Racing/Technologies, e Helmut Marko, o olho de Dietrich Mateschitz, o bam-bam-bam da Red Bull e dono do cofre. Carlos Sainz pode ser incluído como candidato à essa vaga.

Na Toro Rosso a situação é ainda mais complicada: o neozelandês Brendon Hartley ainda não convenceu que merece a chance de estar na F1 – até agora somou 2 pontos no campeonato, contra 26 de Pierre Gasly -, e a chances de ser dispensado ao final do ano são significativas. É pouco provável que Carlos Sainz aceite retornar à Toro Rosso, as duas vagas podem ser preenchidas pelo britânico Jake Dennis, que já testou duas vezes pela Red Bull este ano e mostrou-se rápido por ocasião dos ensaios livres em Hungaroring. Junte a isso sua experiência como piloto no simulador da RBR e seu cacife para um emprego de titular na equipe júnior cresce bastante.

Outro britânico, Dan Ticktum, nome canonizado por Helmut Marko, ainda não soma pontos suficientes para receber a superlicença. Outrora exemplo de programa de desenvolvimento de pilotos, a Red Bull parece ter perdido o ponto de freada em alguma curva do circuito: quem esperaria ver tal situação alguns anos atrás? Quem imaginaria que nomes como Daniil Kvyat, Jayme Alguersuari, Jean-Éric Vergne, Scott Speed e Sébastian Buemi, para citar apenas cinco, teriam suas carreiras dilaceradas depois de galgar todos os degraus do programa Junior Team?

Motivos meramente econômicos deixam a Force India com uma vaga em aberto: quando um consórcio de empresários canadenses liderado por Lawrence Stroll assumiu o controle do time e evitou a falência da equipe, ficou claro que uma das vagas será ocupada por seu filho, Lance, que faz sua segunda temporada na F1 e deixa a Williams ao final do ano. É bastante claro que Stroll Júnior ainda não tem maturidade para ser líder de um time, o que eleva as chances de que o outro cockpits seja ocupado por Sérgio Pérez ou Estebán Ocón. Pérez tem a seu favor o apoio de empresas mexicanas, mas a Mercedes tem fichas para definir esse dilema e impor o franco-catalão, até mesmo George Russell como piloto.

A Force India deve à casa de Sttutgart quantia que ultrapassa US$ 10 milhões, valor referente ao aluguel dos motores, dívida que pode ser renegociada com a manutenção de Ocón, protegido de Toto Wolff, ou a promoção de Russell. Além disso, a Mercedes precisa de apoio político para influenciar a FiA e a Liberty Media na definição do regulamento técnico da categoria que vigorará a partir de 2021.

O canadense Nicholas Latifi, atual piloto de testes, corre por fora nessa briga: seu pai recentemente comprou 10% das ações da McLaren e sua família tem fortuna superior à dos Stroll… Latifi vai participar da primeira sessão de treinos livres do GP do Brasil e já completou dois dias de treinos com um F3 no circuito de Interlagos.

O apoio mexicano a Sérgio Perez contribui bastante para que ele encontre uma vaga, Sauber, Haas e McLaren as suas melhores opções. Ocón tem a seu favor o apoio de Wolff, que não se oporia a empresta-lo a uma equipe fora da órbita da Mercedes ou, pior dos cenários, colocá-lo na Williams… Esta vaga, porém, parece mais apropriada à promoção de Russell. Outrora dominadora da F1, exemplo de vanguarda técnica da categoria, a Williams amarga um período digno de estiagem nordestina e está às portas de voltar a ser o que foi quando seu fundador Frank Williams alugava os carros mais lentos do grid, no início dos anos 1970.

O futuro é sombrio: vão-se os dólares da família Stroll, emagrece a cota de recursos provenientes do fundo de prêmios do Campeonato de Construtores e nem mesmo a expertise da Williams no desenvolvimento de distribuição de energia ajuda a acender uma luz no fim do túnel. O cenário é um palco apropriado para Super Wolff e suas milionárias flechas de prata: em troca de apoio político e uma vaga para seus pupilos, a equipe de Grove poderá respirar por mais uma temporada, ainda ofegante e com ajuda de aparelhos, mas ainda garantindo um grid de 20 carros. O russo Sergey Sirotkin e seus provedores de rublos pode se manter na equipe, mas a chance de outro franco atirador acertar o alvo é menos do que se considera desprezível

Chegamos, pois, às duas equipes satélites da Ferrari: Haas e Sauber. Na primeira o dinamarquês Kevin Magnussen está em forma para renovar seu contrato, cortesia dos 45 pontos que marcou até agora. Já o franco-suíço Romain Grosjean vive situação oposta: rápido, porém errático, ele somou 21 pontos e acumula um prejuízo razoável no reparo de inúmeras batidas e manobras dignas de jogos eletrônicos com um botão infalível para dar reset. Assim, não chega a ser surpresa incluir seu nome na fila dos desempregados. Sérgio Pérez é um candidato natural à essa vaga, assim como Antonio Giovinazzi e, num exercício de ampla liberdade de imaginação, até mesmo Kimi Räikkönen. O nome de Pietro Fittipaldi já foi cogitado como possível convidado para uma sessão de testes, por enquanto o mais perto que o neto de Emerson tem possibilidades na categoria.

Na Sauber nem Charles Leclerc tampouco Marcus Ericsson tem certeza de algo. Se o monegasco tem chances de ser mantido caso sua ida para a Ferrari não se concretize, a nova administração do time de Hinwill pende muito mais por substitui-lo por Antonio Giovinazzi ou receber um nome experiente como Sérgio Pérez ou um medalhão como Kimi Räikkönen, algo que os mais emotivos enxergam como uma maneira do finlandês encerrar sua carreira na F1 na mesma equipe onde estreou, no GP da Austrália de 2001.

Alonso entre dois mares

Não faltam roteiros para tentar explicar qualquer decisão que Fernando Alonso venha a anunciar como próximo estágio de sua conturbada carreira na F1. Bicampeão mundial em 2005/2006, pela equipe Renault, Alonso consolidou em seguida a fama de piloto rápido e extremamente temperamental, a ponto de ser vetado em algumas equipes de ponta, a Red Bull entre elas. Junto a isso as críticas exacerbadas sobre o motor Honda, o inferno astral que a McLaren vive há várias temporadas e a consequente impossibilidade de vencer levaram Alonso e seus empresários – entre eles o banido da F1 Flavio Briatore -, a considerar o planeta Indy como um porto seguro. Vencedor em Mônaco em 2006 e 2007 e em Le Mans em 2018, o espanhol das Astúrias está próximo de igualar Graham Hill na condição de detentor da tríplice coroa, indiferente de usar-se a definição clássica (campeão mundial de F1 e vencedor das 24 Horas de Le Mans e das 500 Milhas de Indianapolis) ou moderna (vitória em Indy, Le Mans e Mônaco) do termo.

Uma falada associação ente a McLaren e a Andretti Autosport para compor uma equipe de F-Indy para a temporada de 2019 em torno de Alonso é um projeto viável. Zak Brown, o cérebro de marketing da McLaren conhece como poucos o mercado norte-americano, capacidade que pode ser medida pela quantidade de logotipos que apareceu no carro do espanhol em Indy 2017. Em contraste, os carros de F-1 há anos seguem refratários a ter um patrocinador principal. Isso é tão claro quanto é obscuro se a casa de Woking teria condições de se dividir entre duas categorias tão diferentes sem que a F-1 fosse relegada a um ostracismo ainda maior.

A junção da McLaren com a família Andretti para uma possível equipe em torno de Fernando Alonso tem implicações diretas no mercado da F-Indy: os times concorrentes precisam garantir seus melhores técnicos, engenheiros e pilotos. Scott Dixon, quatro vezes campeão da categoria e com chances de chegar ao penta, admitiu que teve conversas com Michael Andretti para mudar de equipe. Ontem, porém, a Chip Ganassi alardeou que chegou a um acordo para manter o neozelandês em sua equipe em 2019.

Com Alonso já com um pé na Indy, uma mão no Mundial de Resistência (WEC) e o belga Stoffel Vandoorne bastante desgastado na comparação de resultados com seu companheiro de equipe, quem seriam os nomes para preencher essas vagas? Lando Norris, protegido de Zak Brown, é um nome bastante considerado, assim como Carlos Sainz, que chegaria com apoio da Renault, posto que o mercado espanhol é importante para a marca francesa. Ocorre que há um risco ainda pouco explorado nessa equação: sem o mesmo caixa saudável e musculoso de outros tempos, é possível considerar que um dos dois carros seja entregue a quem chegar com uma bagagem carregada de dólares. Sérgio Pérez, no caso, se destaca, por que além de patrocinadores, tem experiência e anda forte. Mais recentemente o nome de Kimi Räikkönen foi ventilado, reflexo do trabalho que desenvolveu na Lotus-Renault em 2012/2013.

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